quarta-feira, 26 de março de 2008

Entre o sonho e a realidade, a ficção de Jorge Amado



Um telefonema mudou a rotina da última terça-feira, 25/03. Zulian avisara, logo pela manhã, que haveria uma leitura dos textos de Jorge Amado por escritores e artistas no Sesc Pinheiros às 20h. Entre eles, o moçambicano Mia Couto, o carioca Chico Buarque e o baiano Caetano Veloso. Os 500 ingressos disponíveis para a apresentação foram esgotados na primeira meia hora de distribuição há alguns dias. Liguei para o Sesc, contei sobre o projeto do Jungle e peguntei sobre a possibilidade de nosso credenciamento.

Mas, os lugares para a imprensa estavam excedidos. A assessora, muito cortesmente, ficou com meu telefone caso houvesse alguma desistência. Demos como perdido. Eis que, às 17h, o telefone toca e do outro lado da linha: “Clarissa, apesar da falta de lugares, vamos encaixar você e um fotógrafo na platéia”. A surpresa misturava-se com a alegria de participar dessa que seria uma noite de encantamento.

Quem deu o tom inicial foi Paloma Amado, filha do autor baiano. Em meio a seu discurso, Paloma lançou, nas palavras de seu pai, o questionamento sobre a grandeza do sonhar. O texto sugeria a reflexão de quanto o sonho, infinitamente maior que a realidade, é um dos bens mais preciosos do ser humano e dele não pode ser tirado. Diante da possibilidade de ouvir trechos de Jorge Amado naquela apresentação recheada de presenças tão ilustres, a realidade certamente aludia à concretização de sonhos e foi simples guiar-se por tal referência.

Causos de Jorge Amado

Chico Buarque apareceu no palco e o frenesi da platéia contrastou com sua habitual timidez. A noite seria agraciada ainda com “causos” vividos pelos narradores junto a Jorge Amado. “Parece que o conheço desde sempre”, afirmou o músico. Mas, foi por volta de 1976 que se deu o encontro de fato. “Eu esperava um vôo da Bahia para o Rio no aeroporto, quando escuto alguém chamar meu nome”. Era Jorge Amado perguntando se ele iria para o Rio. Diante da resposta afirmativa do músico, Chico conta que Jorge retrucou: "Então carrega esse embrulho para mim que tem alguém me esperando no aeroporto."

Uma sonora gargalhada ecoou na platéia do Sesc Pinheiros com o relato de Chico, que fez a leitura do trecho sobre a morte de Vadinho, abençoada por uma luta de todos os orixás da Bahia, na maravilhosa composição de Jorge Amado em “Dona Flor e seus Dois Maridos”.

Quem é ateu, e viu milagres como eu...

A narração de Caetano também reservou surpresas. O músico baiano, acompanhado pelo violão, deu início à sua apresentação com a música “É Doce Morrer no Mar”, de Dorival Caymmi e do próprio Jorge Amado. À seqüência da leitura de um trecho de “Mar Morto”, um erro na interpretação de “Milagres do Povo”, pelo próprio autor da música conferiu mais sabor à noite. Com a maestria que lhe é peculiar, Caetano transformou a falha em dádiva. “Isso foi Jorge”.

O compositor seguiu relembrando uma entrevista do Pasquim para Jorge Amado, da qual participou com uma das perguntas. Nela, Caetano questionou Jorge sobre sua relação com o Candomblé ser por religiosidade ou apenas como estudo social, ideológico e cultural. A resposta de Jorge Amado foi que não acreditava em nada, mas que tinha visto muitos milagres no Candomblé. "Milagres do povo brasileiro".

Salve Jorge

O escritor moçambicano Mia Couto fugiu ao script ao fazer uma homenagem a Jorge Amado com um texto próprio de arrancar arrepios e os mais longos aplausos da platéia. Nele, Couto ressaltou a influência marcante de Jorge Amado na cultura dos países africanos e destacou como o autor baiano proporcionou a aproximação dos povos do Brasil e da África. “Jorge não escrevia livros, ele escrevia um País. Era um Brasil todo entregue à África. De fato, era um Brasil que regressava à África”. Couto enfatizou ainda a proximidade do real com o imaginário nas obras de Jorge Amado. “Os personagens eram vizinhos não de um lugar, mas da própria vida. Gente pobre, gente com os nossos nomes, gente com a nossa raça”. A finalização da leitura veio em forma de oração: "Salve Jorge", concluiu.

A escritora e viúva de Jorge Amado, Zélia Gattai, confirmou a realidade na ficção do marido ao relatar como os personagens faziam parte do dia-a-dia da família. As conversas do casal na época em que o Jorge escrevia “Dona Flor e Seus Dois Maridos” eram permeadas por seus personagens. Em uma delas, a questão girava em torno dos trajes de Vadinho em sua volta ao romance, após sua morte. Zélia conta que foi deitar-se, enquanto Jorge continuou debruçado na máquina de escrever.

“Essa sua amiga revelou-se uma grande descarada”. Com essa afirmação, Zélia foi surpreendida por Jorge na manhã seguinte, segundo seu relato. Mostrando-se surpresa, ela perguntou ao marido a quem ele se referia. E contou que Jorge então disse: “Dona Flor encontrou-se com Vadinho nu. Ela deitou-se com ele e com o marido. E gostou!”.

Após a noite de ontem, com suas leituras, homenagens, depoimentos e interpretações, acredito ser possível perceber como a literatura ganha ainda mais a dimensão do sonhar descrito por Paloma Amado. Ao apresentar-se em nossa realidade, a engrandece. Esse é o poder da literatura e, particularmente aqui, de Jorge Amado. Nas palavras de Mia Couto, “...como um sonho que nunca antes pudéramos ter”.





Escute aqui trechos das apresentações de Chico Buarque e Caetano Veloso.

Texto: Clarissa Olivares
Fotos: Andrea Zulian

quarta-feira, 19 de março de 2008

É TUDO VERDADE!

Os festivais de cinema em São Paulo são disputadíssimos. O paulistano adora cinema e a procura é sempre muito grande! Apesar de encarar filas para compra de ingressos, filas para entrar nas sessões e por aí vai, é sempre gostoso participar, encontrar amigos, tomar um café e principalmente esperar ansiosamente o início de cada sessão.

Em 2005 assisti no Festival Internacional de Cinema o documentárioIngmar Bergman Completo: Bergman e o Cinema, Bergman e o Teatro, Bergman e a Ilha de Farö”. O documentário foi produzido para a TV sueca, pela jornalista e cineasta Marie Nyreröd. Nesta sessão do Shopping Frei Caneca estava o cineasta português Manoel de Oliveira que foi aplaudido de pé pela platéia. Um momento inesquecível!


Na época quando Bergman soube que a cineasta viria a São Paulo para exibir o documentário afirmou: “Tenho muitas boas lembranças de São Paulo. Foi a primeira cidade do mundo a reconhecer meu trabalho”.


Bergman foi internacionalmente descoberto no Uruguai, por um crítico chamado Homero Alsina Thevenet, no começo dos anos 50. O Brasil logo se associou ao culto e, em 1954, o Festival Internacional de Cinema de São Paulo, em comemoração ao quarto centenário da cidade, exibiu Noites de Circo.


O documentário de Marie é belíssimo e mostra um “Bergman” diferente. Simpático e bem humorado, o filme exibe o dia a dia do cineasta na ilha de Farö, mostra o seu trabalho no teatro, conta intimidades de seus amores e projetos de vida.



Foto de Uppsala – a cidade sueca cenário da maioria dos filmes de Bergman

Falando em documentário, no dia 26 de março a 06 de abril São Paulo dará início ao Festival É Tudo verdade 2008!

Esse ano o festival exibirá 137 documentários, sendo que na seleção brasileira estão 18 títulos inéditos distribuídos nas competições brasileira e internacional, e nas seções Vidas Brasileiras, O Estado das Coisas, Foco Latino-Americano, Horizonte, Projeções Especiais, Homenagens e “Round Midnight”.

No mesmo período ainda ocorrerá a 8ª Conferência Internacional do Documentário, que este ano tem por tema "Documentário Experimental”.

O documentário de abertura do festival no Cinesesc será o “Stranded”, do uruguaio Gonzalo Arijón. O filme foi vencedor do Festival de Amsterdã-2007 (o principal evento mundial dedicado ao gênero). A obra reconstitui o trágico desastre aéreo de outubro de 1972 nos Andes, quando um avião das Forças Aéreas Uruguaias, levando um time nacional de rugby para amistoso no Chile, caiu entre os picos gelados próximos à Argentina. Um dos fotógrafos do filme é César Charlone,responsável pelas imagens de “Cidade de Deus” e co-diretor de “O Banheiro do Papa”.

DESTAQUES NACIONAIS:
“Coração Vagabundo”, de Fernando Andrade, acompanha uma viagem intimista com Caetano Veloso pelo mundo afora, comentada por participações de David Byrne, Michelangelo Antonioni e Pedro Almodóvar, entre outros.

“Paulo Gracindo - O Bem Amado”, realizado pelo filho do ator, Gracindo Jr., celebra a vida e a obra de Paulo Gracindo (1911-1995), ator, apresentador, locutor, compositor, redator, humorista, produtor, poeta. Uma viagem pela vida cultural brasileira, da era do rádio ao auge da televisão, do teatro moderno ao
Cinema Novo.

Estréia na direção da premiada atriz Patrícia Pillar “Waldick, sempre no Meu
Coração” retrata um dos ícones da música romântica brasileira, sob a ótica das mulheres que o amam e amaram.

Documentários do Festival que mostram Sampa!

“Um dos mais importantes teóricos do cinema brasileira Jean-Claude Bernardet cria em “São Paulo, Sinfonia e Cacofonia” (1994), cria-se um documento de identidade para a ambigüidade visceral da metrópole a partir de trechos de filmes de várias épocas, que têm São Paulo como cenário.”

“São Paulo, A Sinfonia da Metrópole” (1929), de Adalberto Kemeny e Rodolpho Rex Lustig, capta o momento de transição da pequena e provinciana São Paulo no rumo de tornar-se um grande pólo industrial e financeiro.”

“Wholes” (1991), de A. S. Cecília Neto, curta vencedor do Festival de Gramado, promove uma viagem delirante pelo cotidiano de São Paulo, com situações inusitadas sendo analisadas do ponto de vista do mais genuíno senso de humor paulistano.

“Luciana Burlamaqui registra sete anos de encontros e desencontros de uma atriz tornada voluntária social e uma dupla de rappers de sucesso formada por detentos do Carandiru em “Entre a Luz e A Sombra”.

“A dupla Henri Gervaiseau e Cláudia Mesquita mergulha no bairro paulistano de Cidade Tiradentes, para além dos estigmas de desamparo e violência, em“Moro na Tiradentes.”


BERGMAN NO FESTIVAL
No curta “O Rosto de Karin” (1986), Ingmar Bergman (1918-2007) dispensa a narração e dedica particular atenção aos retratos de sua mãe, Karin, figura chave em sua vida e inspiradora de histórias retratadas em seus filmes. Já“Ingmar Bergman; Intermezzo” (2002) e “A Voz de Bergman” (1997) são dois trabalhos assinados pelo sueco Gunnar Bergdahl. No primeiro, Bergman, aos 83 anos, cobre uma impressionante gama de assuntos (a idéia da morte, admiração por Ibsen e Strindberg) e proclama o amor ao cinema. No segundo, filmada em 1997, o cineasta sueco expõe em detalhes sua profunda relação com a arte do cinema.

Mais informações no site: http://www.itsalltrue.com.br/2008

quarta-feira, 5 de março de 2008

Excêntrica São Paulo

Estou com uma pauta sobre religiões. Virá em breve. O objetivo é desvendar as crenças paulistanas para todo e qualquer tipo de fé. Tarefa trabalhosa. Eis que, navegando por esta teia de informações - mais complexa que qualquer metrópole - me deparo com o texto do link abaixo. E percebo que difícil mesmo é decifrar o enigma dos outdoors vermelhos que habitam a Marginal Tietê. Tive oportunidade de vê-los por diversas vezes e o questionamento é realmente inevitável. Mais uma peculiaridade paulistana. Muito bem narrada pelo autor. Por isso resolvi compartilhar o texto na íntegra com vocês. Vale a visita e alguns minutinhos de pausa na pressa cotidiana.


segunda-feira, 3 de março de 2008

As boas-vindas

Ao todo foram oito cidades. Oito cidades absurdamente diferentes. Umas grandes outras pequenininhas. Saída de São Paulo a vida na Europa foi uma descoberta deliciosa a cada dia. E não, os paulistanos não são mal humorados perto dos tchecos! Mas uma hora dessas entro em mais detalhes. Agora o assunto é meu retorno a cidade da garoa. Saída do avião a surpresa de um aeroporto lotado e um calor razoável.

Minha primeira “tarefa”, já na cidade, foi em Perdizes e lá fui eu, na cabeça ainda com o tal: “é só colocar o pezinho na rua que o transito pára”. E quase morri atropelada na Cardoso de Almeida. Não, não só coloquei o pezinho e esperei o milagre. Esperei o sinal verde de pedestre mesmo, mas um motorista apressado não. E lá quase fui eu para o P.S..

Então lembrei, São Paulo é assim mesmo, é a cidade de gente com pressa. Sempre correndo. Por isso é amada e desejada por tantos. Não vou dizer que exatamente senti saudade dessa pressa, dessa correria, das horas perdidas no trânsito. Tive saudade da cidade que nunca dorme, das pessoas na rua o tempo todo, do humor estranho, das infinitas possibilidades...

E tão logo cheguei recebi esse convite, o qual aceitei imediatamente e espero corresponder a altura, de fazer parte da equipe desse blog/site/serviço/homenagem sobre essa cidade que sim, pode quase atropelar, mas também proporciona prazeres vários e acolhe aos vindos de todos os lugares.

Texto: Janaina Fainer