quarta-feira, 28 de maio de 2008

Quartas-feiras


"Que bobagem falar que é nas grandes ocasiões que se conhece os amigos! Nas grandes ocasiões é que não faltam amigos. Principalmente neste Brasil de coração mole e escorrendo. E a compaixão, a piedade, a pena se confundem com amizade. Por isso tenho horror das grandes ocasiões.
Prefiro as quartas-feiras."
Mário de Andrade


Envolvidos com a pressa, os compromissos inadiáveis, o trabalho insano. Esquecidos. Na correria de ontem, vejo pelo retrovisor tantos que ficam para trás. Desvio a atenção do espelho, que mostra o avesso do avesso da cidade e concentro-me no agora, acompanhada pelo trânsito lento a pedir um pouco mais de calma. A vida não pára. Eu também não. Momentos, histórias, conquistas, sabores. Experimento. Insistente de que o encontro é inevitável, o amor é possível e o amanhã deve ser melhor. E ele é. Nos retribui com outros momentos, histórias, conquistas e sabores. Estamos. Aqui é que encontramos as possibilidades para isso. Insistimos. E, em meio às grandes ocasiões, estão. Por mais que nos cosuma o cotidiano louco. Mesmo que não os vejamos sempre. Eles estão. Alguma coisa acontece quando se encontram. É paz. Apesar de toda a confusão, fluímos. Apresentam-se com uma certa deselegância. Discreta. Não há etiquetas fora das grandes ocasiões e eles podem ser. E são. Eles que mantém a rotatividade dos nossos dias, o recomeçar e a renovação. Sim. Nos trazem, em meio às tantas informações desta cidade, nossa serenidade. Nossa identidade, mais forte que o próprio lugar. Nosso pertencimento, mais certo que o chão das calçadas. Em passos e descompassos, nos mostram caminhos. Nossa completa tradução. Por isso, às grandes ocasiões, que pululam com a força da grana em meio a feia fumaça que sobe, respondo:

- Que bobagem! Prefiro as quartas-feiras.

Um comentário:

Rotatividade disse...

Adorei seu post Clá! Texto perfeito, foto linda!
Beijos!