domingo, 8 de junho de 2008

DONOS DA RUA

Há tempos minha irmã, Clarissa, me convida para escrever alguma coisa por aqui... A falta do mesmo, no entanto sempre me impediu. Vontade não faltava, e eis que não resisti ao último convite: ocupar os domingos do blog, postando sobre os acontecimentos na e da jungle São Paulo.

E conto, logo de cara sobre um ciclo de palestras que aconteceu no final de maio e começo de junho no Teatro Commune (R. da Consolação, 1218). O tema foi TeatroCidade, e discutimos entre outras coisas o USO DA RUA PELO TEATRO.

Nessa mesa, que aconteceu dia 30 de maio, contamos com a participação de Nabil Bonduik (Urbanista e arquiteto), Raquel Rolnick (Pesquisadora e Arquiteta), Adailton Alves (movimento de teatro de Rua de SP) e Augusto Marin (Diretor do Teatro Commune) como mediador.

Transcrevo, inicialmente, minhas anotações sobre a fala da Raquel, que é também Relatora do Direito à Moradia pela ONU, e fez um levantamento pontual sobre a mudança do uso da rua em São Paulo através dos séculos, considerando que, até meados do século XlX, esta megalópole não passava de uma vilinha singela, sem grandes pretensões econômicas na história do Brasil. A rua era, então, lugar de trabalho, com negócios na calçada e de encontros. Ah, e um espaço predominantemente masculino, já que às mulheres (ditas) de família cabia transitar apenas em procissões. Serviçais eram vistas em feiras e no comércio das praças, durante o dia, é claro. Já as “outras” (nem de família nem empregadas) saíam quando queriam...

Cabe ressaltar que as praças, além de pontos de venda, eram centros de manifestações artísticas, bem ao estilo mambembe, subindo em caixotes e fazendo malabarismos ou cantando e atuando.

Porém, por volta de 1870, ou seja, final do século XlX, com o ciclo do café, tudo mudou e São Paulo passou a ser rota e passagem, trazendo grande movimento à pequena vila.

A transformação da cidade deu-se de forma acelerada, tendo como marco a instalação da ferrovia e dos circuitos de bonde, imprimindo, desde lá uma característica que vai se tornar o maior paradoxo no futuro: a velocidade.

Ainda assim, até os anos trinta do século XX, havia muita circulação a pé e comércio na rua. Pois não é que a briga com os camelôs começou aí?! Veio uma proibição do governo, (lembremos que estávamos em plena era do Getúlio) impedindo as pessoas de estar/parar na rua...

E se configurou cada vez mais a função da passagem, do estar em trânsito, de um ponto a outro sem paradas pra um bate-papo com o transeunte que vinha em sentido oposto.

Como a questão sempre foi produtividade, diminuir o tempo de deslocamento e aumentar a velocidade foi a função dos automóveis que logo dominaram as ruas, além dos caminhões, encarregados de escoar toda a produção pelo país.

Consolidou-se assim a produção de uma cidade de passagem, condenada a estar em trânsito ininterrupto.

E seu maior paradoxo, mencionado no início do texto, afinal, foi criada uma paralisia pela vontade de velocidade, vide as vias congestionadas e o tempo perdido em/no trânsito.

Raquel colocou, então, como uma saída, o teatro como instrumento de ressignificação do espaço público, exemplificando com o ocorrido em Bogotá, onde, através de intervenções artísticas, houve uma reconquista do espaço público. Operou-se, além da reurbanização e melhorias no transporte público, uma ação com 800 atores em figuras clownescas, permanentemente nas ruas, que, por exemplo, “choravam” para o motorista que parava em local proibido, lamentando tamanha desinformação...

Essa foi uma das estratégias de mudança da relação dos motoristas com o espaço público, utilizando o Teatro em serviço de uma nova configuração urbana, que por sinal, foi muito bem sucedida.

Adaílton Alves trouxe imagens da 2ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, mostrando a capacidade do teatro de mobilizar o espaço e o tempo ao seu redor, interferindo culturalmente no seu entorno e criando uma possibilidade de transgressão do sistema e ressignificação do espaço público. Além de selecionar uma bibliografia preciosa sobre o Teatro de Rua, embora escassa como ele mesmo salientou, já que são poucas as publicações sobre o assunto.

Nabil Bonduiki, que já foi vereador pela cidade e participou do Movimento Arte contra a Barbárie, da criação do Fomento e do Vai, planos de incentivo à cultura, acredita que o repovoamento da rua deve ser visto como política de segurança, já que ao ocuparmos a cidade e não somente passarmos por ela, estabelecemos vínculos de pertencimento e patrimônio, e sugere a arte pública em intervenções, ocupações e interferências nesse caminho de reapropriação.

Eu, como atriz e educadora, vejo nessas propostas um caminho de re-humanização das relações, ao possibilitar a assimilação da convivência mais reflexiva, com tempo para parar e olhar uma manifestação, deslocar o indivíduo da necessidade de “estar produzindo”para a vontade de estar ali, simplesmente desfrutando de um acontecimento que o irmana no riso e na “abolição entre produtores e receptores”(Adaílton Alves), já que na rua, simplesmente não existe essa separação!

Fecho com uma frase de J. Caiafa, trazida pelo Adaílton, que diz: “Para a arte e o pensamento, é preciso um tempo de ressonância”, portanto, quanto antes usarmos a arte para mobilizar o espaço-tempo em que vivemos, antes se darão as mudanças que tanto aspiramos.

2 comentários:

Rotatividade disse...

Letícia! Que delícia abrir "nosso" jungle e ler seu espaço! Fiquei super feliz! Com certeza será enriquecedora a sua participação. Seu post é bem interesante. Nas ruas, na internet, nos palcos e em todos os canais, precisamos de pessoas como você! Bjoca!

Leticia Olivares disse...

Valeu, Rô!!Também estou feliz em fazer parte dessa selva!bjs